sexta-feira, 25 de julho de 2008

Materiais para a reflexão sobre o ensino de geografia no território brasileiro

Ricardo Mendes Antas Jr. (UNIFIEO)

Eliza Almeida (UFAL)

Segundo o Censo da Educação Básica de 2005 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), o território brasileiro tem um total de 126.074 profissionais do magistério ministrando a disciplina de Geografia no ensino fundamental II e ensino médio. Destes, apenas 24.335 são graduados em Geografia. Entre os profissionais que não tem diploma de geografia, mas que atuam como professores da área temos: Pedagogia com 14.745; História com 13.308; Estudos Sociais e Letras somam 11.188. Existem ainda 26.007 que não informaram a área ou o nível de formação. Além desse desequilíbrio (que não se verifica com tamanha discrepância para as outras disciplinas) chama especial atenção que 29.754 não têm o curso superior, ou seja, um volume superior ao de profissionais formados na disciplina.

Estes dados, quando observados nas grandes regiões, revelam situações ainda mais alarmantes. A título de exemplo, pode-se mencionar que dos 51.764 professores de Geografia no nordeste apenas 15% têm formação na área e 34,7% não têm curso superior. No sudeste, dos 35.824 apenas 25% são formados na área e 11% não têm formação em ensino superior.

O objetivo dos autores neste estudo é discutir as conseqüências desses números para o ensino de Geografia no Brasil, bem como trazer algumas reflexões sobre as implicações futuras na carreira de Geografia e na formação dos futuros geógrafos, pois estes dados são reveladores da permanente crise institucional que a Geografia brasileira parece não conseguir se desvencilhar. A espacialização destes dados colabora ainda mais para a percepção do quadro dramático que atravessa o ensino de geografia no território brasileiro:


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Não se pretende explorar exaustivamente os números do censo e tampouco acreditamos que esse caminho seja uma via única para a realização de análises críticas, mas a situação a que se chegou na Geografia tem nos números o reflexo do tamanho da crise e pode e deve servir como base para os geógrafos se unirem em torno de políticas comuns para a revalorização que esse campo de conhecimento merece.

Segundo Susan W. HARDWICK, em seu texto “O ensino de geografia nos Estados Unidos”, em “O ensino de geografia no século XXI” organizado por José William VESENTINI (Ed. Papirus, 2005), foi necessário um grande movimento entre os profissionais da área durante toda a década de 1990 nos Estados Unidos para reerguer a disciplina que estava em plena decadência, tanto entre alunos como também frente às demais disciplinas das ciências sociais e também das ciências da terra.

Aqui entre nós também é perceptível como esse fenômeno já está instaurado. Nas escolas, os alunos vêm tendo muito pouco contato com a disciplina, e muito disto se pode explicar pelos números apresentados no Censo da Educação Básica acima citado. Muitas vezes a Geografia é substituída por um apanhado de atualidades escolhidas ao acaso, e a construção do conhecimento geográfico em sala de aula simplesmente não se dá, posto que não há um método disciplinar específico (no melhor dos casos, há um método pedagógico, que em nosso entender não substitui o método geográfico, ainda que o complemente).

O livro didático, que já foi bastante considerado como o vilão no sistema de aprendizagem no passado, hoje garante, no caso da Geografia, um mínimo de aprendizado específico e até pode gerar algum gosto pela ciência. Isto ocorre porque, consideradas as más condições de ensino público e do ensino privado, o professor não formado na área (ou não formado em área alguma) tem no livro-texto um guia para conduzir as aulas. Mas evidentemente não estamos aqui para justificar esse instrumento, e, sim, para afirmar quão necessário ele se tornou em função da crise institucional avassaladora em que a Geografia brasileira está imersa.

Outro ponto não menos importante é o que já vimos verificando há pelo menos uma década: o gosto e o interesse pela disciplina vêm caindo francamente, e o preparo específico para a formação de geógrafo é quase nulo. Isto fica patente quando tomamos como parâmetro os alunos e professores das faculdades de ciências sociais e humanas: a Geografia aparece como uma ciência pouco conhecida nos seus avanços atuais.

Tem-se pouca clareza sobre os avanços da Geografia desde a década de 1970, a sua ruptura epistemológica, a incorporação do marxismo e a explosão interna em diversas correntes autodenominadas críticas, com tendências distintas em função da incorporação de filósofos e historiadores, entre outros que inspiraram a transformação da geografia e colaboraram para isso.

Entendemos que esses fatos comuns são de responsabilidade do geógrafo, isto é, nós estamos há mais de duas décadas debatendo a ciência muito internamente e não estabelecemos uma agenda propositiva para a nossa área – e nas raras ocasiões em que o fazemos, não estamos sendo devidamente reconhecidos.

Contraditoriamente ao fato de haver tão grande número de não formados dando aulas de Geografia, assistimos ao fechamento de cursos de Geografia, especialmente nas instituições particulares, ao mesmo tempo em que a abertura de novos departamentos de Geografia nas universidades públicas no período presente não se dá no mesmo ritmo que os das demais ciências humanas. Esta é uma luta política que, em nosso entendimento, a AGB - Associação dos Geógrafos Brasileiros deve ter como prioridade junto às instâncias governamentais. Devemos, de um lado, demonstrar essa carência e, de outro lado, como a qualidade do ensino de geografia não deixa de ser uma prioridade para um Estado forte e soberano.

Acreditamos que a Geografia brasileira conduzida pela Associação de Geógrafos Brasileiros (AGB) deve se debruçar sobre essa questão e propor uma política de mudança do cenário atual. Os avanços acadêmicos têm que criar uma diversidade maior de canais para transformar radicalmente a realidade do ensino fundamental de Geografia.

* Publicado nos anais do XV Encontro Nacional de Geógrafos, julho de 2008.

Esses são dados e elaborações preliminares e uma versão ampliada e mais minuciosa está sendo elaborada para ser apresentada no próximo encontro da ANPEGE que terá lugar em Montevidéu, em 2009.